O Brasil fará, nesta semana, um leilão sem precedentes e que nunca mais se repetirá na indústria mundial de petróleo. Na quarta-feira, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) oferta quatro áreas desenvolvidas do pré-sal na Bacia de Santos, da chamada cessão onerosa. A expectativa do governo é arrecadar R$ 106,5 bilhões se todas forem arrematadas. Doze companhias estão na disputa, entre elas, a Petrobras, que exerceu o direito de preferência em Búzios e Itapu. No dia seguinte, a estatal concorre, com outras 16 companhias habilitadas, no certame de mais cinco áreas, da 6ª rodada de partilha, cuja estimativa é de arrecadação de R$ 7,9 bilhões. Se os dois forem bem-sucedidos, o governo vai encher os cofres públicos com R$ 114,4 bilhões em bônus de assinatura.
Para os especialistas, nem mesmo o vazamento de petróleo cru que provoca manchas de óleo no litoral do Nordeste há mais de dois meses pode tirar a atratividade da cessão onerosa. No entanto, os analistas divergem quanto à expectativa de a disputa ser acirrada. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, garantiu que a estatal “vai entrar para ganhar”, mas duas companhias — BP e Total — desistiram da concorrência em outubro, apesar de habilitadas pela ANP.
Na sexta-feira, a petroleira brasileira assinou termo aditivo do contrato que prevê o ressarcimento de US$ 9 bilhões, cerca de R$ 34,1 bilhões. “Foi uma grande vitória. A Petrobras e o governo, unidos por um só objetivo, de colocar o Brasil no caminho da prosperidade, conseguiram em pouco tempo que nosso sonho se concretizasse. O Brasil está de parabéns”, declarou Castello Branco. “Finalmente teremos o leilão do excedente da cessão onerosa, que é o maior leilão de petróleo do mundo, com ativos de classe mundial”, acrescentou.
O que o torna especial e com um bônus de assinatura tão alto, segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), é o fato de os blocos já estarem produzindo óleo, sem risco exploratório. O regime foi criado em 2010 para capitalizar a Petrobras, num contrato de 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), mas, ao explorar o pré-sal, a estatal descobriu que a reserva pode chegar a 15 bilhões de boe. Essa diferença é que será leiloada. “O megaleilão do dia 6 é diferenciado. Nunca houve no Brasil nem no mundo algo dessa magnitude, com uma reserva de 10 bilhões de barris”, diz.
Indenização
Além da União, que ressarciu a Petrobras em R$ 34 bilhões para fazer o leilão — dinheiro que a estatal vai usar para pagar o bônus de assinatura —, quem vencer também terá de indenizar a companhia. Como exerceu preferência em duas áreas, se houver outro vencedor, a petroleira brasileira pode migrar para o consórcio com 30%, sendo a operadora. “Isso vai fazer com que não tenha concorrência. Normalmente, quando ela declara preferência, ninguém apresenta oferta”, explica Pires.
Por isso, o diretor do Cbie aposta que o governo vai levar o excedente mínimo de óleo lucro. “Em cada bloco, vai aparecer apenas um interessado. Acho até que não saem os quatro”, estima. Isso porque o leilão envolve cifras bilionárias. “Além do bônus e do ressarcimento à Petrobras, que fala em R$ 45 bilhões, enquanto o TCU (Tribunal de Contas da União), R$ 34 bilhões, o vencedor terá que fazer investimentos. O valor é tão alto que equivale a comprar uma petroleira”, alerta o diretor do Cbie.
Para Miguel Neto, sócio do escritório Miguel Neto Advogados, o leilão será concorrido. “Apesar de haver notícias de que está caro e de que a Petrobras foi ambiciosa e colocou o valor de reembolso muito alto, acho que vai ser muito disputado”, aposta. “Na indústria do petróleo, existe o risco de exploração. A empresa pode investir bilhões e não tirar nada. Isso não existe na cessão onerosa. Claro que haverá disputa, afinal, quem vende um poço que já está dando petróleo?”, indaga.
Lívia Amorim, coordenadora da área de direito administrativo e regulatório do escritório Souto Correa, compartilha da mesma opinião de Neto, mas faz ressalvas. “Vai ter disputa por conta da relevância dessa reserva em termos mundiais. Porém, o bônus é bem alto. Além disso, o grande ponto da cessão onerosa é a complexidade jurídica. O regime é único e terá de ser compatível com o de partilha, envolve unitização e acorde de coparticipação”, ressalta.
A 6ª rodada do regime de partilha, que ocorre no dia seguinte ao megaleilão, é importante como marco, na visão de Miguel Neto. “É uma demonstração de direção e reafirmação do governo sobre privatizações e divisão com a iniciativa privada”, avalia. “Será no regime de partilha normal, não são valores altos e não é complexo do ponto de vista jurídico”, analisa Lívia. A arrecadação prevista é muito menor porque há risco de exploração nas áreas ofertadas.
É consenso entre os três especialistas de que o vazamento de óleo não terá impacto na atratividade do leilão. “Não tem nada a ver com a produção. Já se considera que foi um navio com bandeira grega. A indústria de óleo é de risco ambiental. No último leilão, a área que a ANP ofereceu perto de Abrolhos, ninguém comprou por medo de um acidente ambiental, que pode acabar com uma empresa”, avalia Pires, do Cbie. Para o advogado Miguel Neto, o vazamento é “muito mais exploração política”. “Não vai impactar em absolutamente nada. Acho mais perigoso o fato de estar caro. As duas companhias que desistiram sinalizaram para o mercado de que o preço é alto demais”, pondera.
Para ambientalistas, contudo, o governo está tratando de forma prioritária os dois leilões de petróleo sem se preocupar com o desastre ambiental do vazamento que ocorre no litoral do Nordeste. “O óleo não para de chegar às praias e, apesar dessa discussão infindável sobre sua origem, ao que tudo indica, não é navio, porque o vazamento não está tão longe da costa brasileira. Digo isso, com base em uma análise de dinâmica de maré, de corrente, e da consistência do óleo. Não sabemos se é pré-sal ou águas rasas. Há indícios de que a origem são poços perfurados que não tiveram manutenção e não estão conseguindo fechar. De qualquer forma, é da indústria do petróleo”, afirma um técnico de uma organização ambiental reconhecida mundialmente.
Dinheiro dividido e com gasto limitado
Para não correr o risco da maldição do petróleo — recurso que gera alta arrecadação, com muito dinheiro sendo mal gasto, como ocorre na Venezuela —, o Executivo e o Congresso Nacional garantiram em lei o destino dos R$ 106,5 bilhões, que serão divididos entre Petrobras, União, estados, Distrito Federal e municípios, e limitaram os gastos permitidos aos entes públicos.
Após o ressarcimento da Petrobras em R$ 34,1 bilhões, a Lei 13.885, de 17 de outubro de 2019, prevê que os R$ 72,4 bilhões serão assim divididos: 15% para os estados; 15% para os municípios, 3% para o Rio de Janeiro, que é o estado onde estão as áreas; e 67% para União. Entre os estados, a divisão será em dois terços de acordo com os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e um terço, seguindo as regras do Fundo de Exportação (FEX) e da Lei Kandir. Os recursos serão repartidos entre os municípios de acordo com os critérios do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
As cotas bilionárias, no entanto, são dinheiro marcado. Os estados e o Distrito Federal só poderão gastar os recursos para o pagamento de despesas previdenciárias com os fundos de servidores públicos e de contribuições sociais, inclusive decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias e incidentes sobre o décimo terceiro salário. Os municípios destinarão os recursos para criação de reserva financeira específica para pagamento das despesas previdenciárias com os fundos de servidores públicos e contribuições sociais. Todos os entes estão liberados para gastar com investimentos.